20 Nov Editorial Amoviseu Outono 2020
Neste Outono atípico por uma razão que a todos afecta e em que somos “prisioneiros” de uma “besta” que nos tolhe os movimentos, os afetos físicos e, por vezes, o discernimento entre o que é normal e o que é demais, vem-nos à memoria aquele Outono para uns frio para outros quente, para uns chuvoso para outros seco, em que no borralho da lareira descansávamos de uma tarde de passeio pelo castanho/amarelo/avermelhado da natureza após um belo almoço de míscaros bem regado por um néctar envelhecido em pipas de outros tempos e umas castanhas assadas na caruma acompanhadas por uma jeropiga vinda da ”terra” dos nossos avós e enviada no fundo do saco das couves pelo “tio” que ainda por lá anda na labuta diária de uma agricultura à moda antiga, daquela em que as couves não levam adubo mas estrume dos animais que não come ração e as galinhas picam no chão o alimento que as vai tornar deliciosas num dia de inverno…
Isto, a memória, a “besta” não nos colhe, nem a vontade e a certeza de que o podemos fazer, seguramente mais recatados, quiçá com uma caminhada mais reduzida no espaço e no tempo mas com o dobro ou o triplo do vigor, quiçá com menos amigos para partilhar à volta da mesa, mas com a garra e a vontade de que juntos vamos ultrapassar e viver este Outono pensando como Miguel Torga o “mostrou”:
“Tarde pintada
por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, coma as vinhas.”
Rui Rodrigues dos Santos