Teletrabalho, o futuro chegou abruptamente

As sociedades pós-industriais marcadas por um forte progresso ciêntifico e tecnológico trouxeram-nos uma nova forma da realidade laboral atípica: o teletrabalho.

O teletrabalho pode redundantemente ser definido como a prestação de trabalho que se desenvolve fora do local central do empregador, sendo realizado noutro local ligado àquele, por meios de comunicação eletrónicos. Isto é, a prestação de trabalho pode ser desenvolvida fora da empresa, inclusivamente no próprio domicílio do trabalhador.

A doutrina e a literatura relacionada assinaram o fenómeno como titular de um primado de vantagens, um mito ou uma utopia. Como bem assinalou Júlio Gomes, fomos, sobre esta matéria, invadidos por uma visão idílica, chegou-se mesmo, a este propósito, a falar num “ (…) mundo em que os teletrabalhadores se encontrariam nas praias com os seus computadores portáteis, realizando a sua prestação entre dois mergulhos. Como sempre, a realidade está longe de confirmar este optimismo”. De facto, a este propósito acrescentaríamos que a realidade ultrapassou a ficção, devendo ser o argu- mento lido, infelizmente, a contrario.

Não obstante há algumas vantagens do teletrabalho que são evidentes e devem ser realçadas. Referimo-nos aqui à diminuição da despesa, da poluição e do tempo despendido derivado das deslocações constantes do trabalhador para a (e da) empresa; a libertação de tempo ao trabalhador para este o melhor aproveitar melhor conciliando a sua vida pessoal com a sua vida profissional.

Por outro lado, e mais indiretamente, o fenómeno do teletrabalho, ajudaria a travar a especulação imobiliária e contribuiria para a requalificação das zonas suburbanas e rurais, além de que facilitaria o acesso ao emprego por parte de pessoas com deficiências de ordem motora.

Em contraposição às vantagens, o supra citado fenómeno estaria igualmente ligado a um maior desgaste psicológico e ao isolamento do trabalhador. Consubstanciaria um não facilitador da criatividade e contribuiria para um empobrecimento da dimensão colectiva do trabalho. De facto, o teletrabalho podia (como aparenta ser) um facilitador da ultrapassagem dos limites legais em matéria de tempo de trabalho e uma ameaça à (in)definição das fronteiras entre a vida pessoal e a vida profissional. Por outro lado, o uso das novas tecnologias como forma de controlo e de fiscalização da prestação do trabalho por parte do empregador pode acentuar a subordinação jurídica e atenuar o direito à vida privada como um direito intrínseco do trabalhador.

No que concerne ao regime jurídico do teletrabalho, este está desde há muito previsto e regulado na legislação laboral portuguesa. Contudo, como o teletrabalho tem-se mostrado uma forma de trabalho atípica e secundária (e diga-se pouco utilizada até um passado recente) a doutrina e a jurisprudência não tem previsto nem analisado exaustivamente todas as principais questões controvertidas inerentes a este fenómeno.

Não obstante, desde cedo, a legislação sujeitou o teletrabalho à obrigatoriedade da redução do contrato de trabalho à forma escrita; estabeleceu a igualdade de tratamento entre trabalhadores e teletrabalhadores, tanto em matéria de condições de trabalho como em matérias de segurança e saúde ou de reparação de da- nos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.

A legislação laboral, no que concerne ao teletrabalho, também estipulou a observância dos limites máximos do período normal de trabalho; regulou de uma forma mais estrita o direito à privacidade do teletrabalhador e os seus tempos de descanso. Também é necessário realçar a previsão de regras sobre a propriedade dos instrumentos de teletrabalho e sobre as despesas relativas à instalação, manutenção e sobre o uso dos instrumentos de trabalho. O direito do trabalho consagrou deveres secundários específicos como a estipulação do direito à sociabilidade informática e estipulou a forma do exercício dos direitos coletivos dos trabalhadores.

Não obstante, é evidente que a situação pandémica além de outros fenómenos sociais massificou o fenómeno do teletrabalho. Sobre esta matéria a legislação laboral portuguesa tem sofrido no corrente ano contínuas e múltiplas alterações. Aparentemente estas alterações estão bastante (esperamos que não unicamente) interligadas com exigências e preocupações de saúde pública. Por outro lado, o legislador também tem vindo a responder a novas e urgentes questões controvertidas. Como figura ilustrativa do supra referido temos a recente previsão expressa do direito ao subsídio de alimentação por parte do teletrabalhador.

O núcleo essencial dos princípios da segurança jurídica, da previsibilidade e da estabilidade jurídica devem ser protegidos. E nesta linha, o legislador deve proceder a uma melhor definição da figura do teletrabalho e dos seus corolários. O legislador deve também abster-se de proceder a contínuas e constantes alterações legislativas que além de atrapalharem o trabalho de todos os agentes da justiça, atrapalham, acima de tudo, o legítimo e justo exercício de determinados e certos direitos adquiridos pelos trabalhadores.

Por Filipa Dias Soares

Advogada e Associada da GIRO HC

www.girohc.pt



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