José Chaves

Depois de mais de 20 anos na direção do sindicato mais representativo da PSP, em que quase 9 foram como Vice-presidente, que balanço faz deste percurso?

A defesa das partes mais frágeis de qualquer relação, foi sempre um desígnio da minha vida. A minha presença no sindicato acontece numa primeira fase pela consciência de classe, a consciência que era preciso uma organização que defendesse os trabalhadores e, neste caso, os polícias e que sobretudo lutasse por melhores condições de trabalho.

Durante todos estes anos negociou em nome dos polícias várias matérias, há alguma que lhe tenha acusado alguma frustração?

Várias. Demasiadas que me custaram muito não terem chegado a bom porto.

Não conseguimos uma nova tabela remuneratória, sobretudo para combater os vencimentos mais baixos na Polícia. O problema das transferências para os locais de origem. A passagem à pré-aposentação, que embora tenha sido plasmado no atual Estatuto, não está a ser cumprido. A criação de novas categorias profissionais que elevaria a motivação. Recentemente a ASPP/PSP elaborou vários documentos que visavam alterações substanciais para a profissão e das quais destaco as propostas para diminuírem acentuadamente as agressões a Polícias e um novo estatuto remuneratório para os suplementos e que, neste caso, traria mais justiça à atribuição de suplementos, os quais estão a causar muita divisão entre os polícias.

Como vê a proliferação de sindicatos?

A tutela e em geral os empregadores, tentam sempre que os trabalhadores não se unam. Faz parte das regras. Uns querem dar o mínimo e os outros querem o máximo de direitos. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio, por isso a existência de sindicatos a negociar para que se consiga este equilíbrio. Na PSP não foi diferente. Inicialmente apenas existia a ASPP/PSP, mas importava dividir os polícias, pois dessa forma fragilizavam a luta. Foi o que fizeram numa fase inicial, promoveram a criação de muitos sindicatos e depois funcionou como uma bola de neve, já que na fase posterior eram os próprios polícias, descrentes com o que se estava a passar, criaram eles mais sindicatos ainda. Tudo isso beneficiou a tutela e a administração com notório prejuízo para os polícias. Não foi por falta de aviso, mas não conseguimos passar a mensagem de que era preciso acreditar em nós, pois a mensagem para destruir é muito mais fácil que para construir, e nesta situação, perdemos claramente. A ASPP/PSP é de longe o maior sindicato, o que mais lutas desencadeia, o que mais processos ganha em Tribunal, o que apresenta um trabalho mais sério e honesto, no entanto os polícias, fruto do que viveram nos últimos anos, estão muito descrentes e entende-se o motivo. Espero que a atual direção consiga fazer acreditar novamente os polícias que só um trabalho como o que sempre realizou a ASPP/PSP é possível conseguirem-se resultados que agradem, se não a todos, pelo menos à maioria.

Este ano não houve candidatos para as vagas que existiam na PSP, como vê este problema?

Não podemos deixar de ter muita preocupação com esta situação. Tudo isto advém de múltiplos fatores que importa combater. Desde logo os baixos salários em início de carreira, o facto de ter de se ir prestar serviço para a zona metropolitana de Lisboa, onde a vida é mais cara e os polícias estão sujeitos a situações de muito perigo para as suas vidas. Acrescentando a tudo isto, há o problema das transferências para os seus locais de origem, que atualmente chega a demorar cerca de 25 anos, por exemplo para Viseu. Tudo isto se agudizou devido a políticas erradas e que a ASPP/PSP ao longo dos anos sempre alertou, por exemplo as saídas para a pré-aposentação, em que mantendo os mais velhos por cá, naturalmente que não há entradas e consequentemente não há transferências.

Deixando o sindicato, como vê o seu trabalho na PSP?

Eu fiz praticamente a minha carreira na cidade de Viseu. Fi-la na Investigação criminal. Não há, que eu tenha memória, um polícia com tantos anos a atuar de forma operacional no combate ao crime em Viseu. Tenho muito orgulho no trabalho que desenvolvemos durante estes quase 30 anos em prol da segurança da cidade de Viseu. Reconheço que tive a sorte de trabalhar com excelentes homens e mulheres, com polícias com elevada dedicação à causa e com os quais aprendi muito e em conjunto acho que fizemos muito pela cidade.

Não acha que já seria o tempo de a autarquia reconhecer esse trabalho?

Relativamente a isso, por motivos óbvios, não faço qualquer comentário.

Também sabemos que recentemente recebeu uma medalha de mérito de segurança pública, como foi sentido esse momento?

Esta medalha é um reconhecimento da PSP por todo o trabalho que fiz durante uma vida. Nunca teria conseguido uma coisa destas sem as pessoas que, como já referi, estiveram sempre comigo numa aprendizagem mútua.

Naturalmente que foi um orgulho enorme. É o reconhecimento de uma vida.

Está a acabar o doutoramento em direito na faculdade de direito da universidade de Coimbra, como convive com essa sua faceta muito pouco conhecida de todos quantos o conhecem?

Muito mais que os títulos, eu sou ávido pelo conhecimento, por perceber a causa das coisas. Não me importa, nunca me importaram os rótulos.

O saber fascina-me. Foi neste sentido que fui sempre tentando saber e perceber o mundo e quando surgiu a possibilidade de obter o doutoramento em direito Público, não hesitei.

Falta-me apresentar a tese, tenho dois trabalhos em fase adiantada e terei que optar por avançar com um dos dois para a elaboração da tese final. Estava a contar que fosse cumprido o estatuto da PSP e que me permitissem passar para a pré-aposentação em julho último. Não deixaram e como tal a elaboração da tese final está dependente da minha disponibilidade de tempo para poder estar em Coimbra, uma vez que a consulta de vasta bibliografia terá de ser feita naquela cidade e com muito tempo disponível. Infelizmente em Viseu não há possibilidades de consulta de obras, ligadas ao direito, que se possam consultar para uma tese de doutoramento.

Já agora em jeito de curiosidade, quais são esses dois temas?

Ambos estão na ordem do dia. Um deles é sobre as intervenções policiais em zonas urbanas sensíveis e até todas as intervenções e a garantia dos direitos humanos. Esta dicotomia entre algo que é, provavelmente, a maior conquista da humanidade e que são os direitos humanos e a forma como o Estado, naturalmente através das polícias, faz respeitar esses direitos e garantem também que, mesmo tendo monopólio da violência, os direitos humanos estão sempre presentes. Estão, por exemplo neste caso, como se podem diminuir consideravelmente as agressões contra agentes de autoridade.

O outro tema, que foge um bocadinho ao que sempre foi a minha atividade profissional, mas é também ele muito interessante e está na ordem do dia e que se prende com o ato médico e as vulnerabilidades da decisão. Numa era em que com os avanços na tecnologia as pessoas passaram a ter melhores condições para viver e a esperança de vida aumentou consideravelmente, a medicina encontrou novas formas de prolongar a vida, criando uma decisão, algumas vezes de extrema complexidade, na relação entre o bem supremo “Vida” e a obrigação e o respeito que devemos ter com a autonomia da vontade. No fundo no direito de decidir até onde cada um de nós está disposto a ir na cura de uma determinada doença e em que condições e quem o decide. Está neste caso, por exemplo, a tão atual como polémica eutanásia e até que ponto a sua legalização não colocará em causa a “Vida” como bem supremo ou afetará, irremediavelmente, a autonomia da vontade de cada um de nós.

E o Futuro?

No futuro pretendo manter esta busca incansável e ao mesmo tempo inglória (será inglória porque nunca se alcançará), do conhecimento, do saber ou como já referi, perceber a causa das coisas.

Estarei disponível para intervir na polis, seja de forma ativa ou até com o meu silêncio.

Quero muito estar mais vezes com os meus amigos e com eles passar belos tempos de muito riso, afinal isso é também ser feliz. A minha vida foi um pouco disso, mas numa altura em que estou muito próximo de passar a outra fase da minha vida, isto se me permitirem ir para a pré-aposentação, isso torna-se algo imprescindível e usado com mais quantidade de momentos.

 

Por: Carlos Ferreira



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